UM E-Theses Collection (澳門大學電子學位論文庫)
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Interpretes, topazes & linguas : elos de ligacao dos Portugueses, de Lisboa a Macau, seculos XV, XVI e XVII
- English Abstract
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Introdução O conhecimento que agora detemos sobre a geografia fisica e humana do planeta começou a construir-se há cerca de cinco séculos atrás, quando os portugueses se aventuraram além-mar na exploração de outras terras e foram construindo uma nova idade de descoberta e de aproximação a outros povos. Aquilo que hoje somos e sabemos deveu-se a um cumular qualitativo de experiências, que, ao longo do tempo, muitos homens pioneiros foram empreendendo. Quando queremos compreender esse processo de descoberta, é-nos forçoso recuar ao passado, e através dos registos existentes, recuperar a história através das pequenas estórias de antanho. Na era da informação e da comunicação, o conhecimento de línguas é, de uma forma geral, mas não exclusiva, adquirido em contexto formal. A aprendizagem de línguas estrangeiras, ocorrendo em contextos formais, nas escolas, é actualmente reforçada pelo acesso democratizado aos meios de comunicação e pelos contactos próximos com os falantes dessas línguas. Dispomos de meios de comunicaçãotde massas, a televisão e a internet, que, à razão de um impulso eléctrico, em simultâneo, põem em conexão todos os habitantes do planeta. Usufruímos de meios de transporte que permitem a ampla mobilidade humana. Tendencialmente, todos os habitantes no futuro falarão uma segunda língua comum, que lhes permitirá comunicar nos cinco continentes. Há cinco séculos atrás, a realidade era radicalmente diversa. As escolas eram escassas e o conhecimento técnico era circunscrito a uma pequena faixa da população. A aprendizagem de línguas fazia-se de um modo informal, quando as circunstâncias a proporcionavam, ao colocar em presença falantes de diferentes línguas. Como foi possível a estes primeiros pioneiros encetarem comunicação com outros povos que falavam línguas diversas da sua? Como foi possível inteligir sinais, conhecer protocolos, sem dicionários ou gramáticas de culturas e civilizações? As primeiras aventuras marítimas dos portugueses repetiram trajectos já conhecidos, contactos já experimentados, e gradualmente, à medida que novas descobertas tecnológicas eram implementadas, novos espaços eram percorridos e novos contactos humanos eram estabelecidos. A comunicação no Mediterrâneo e no Norte de Africa fez-se utilizando o árabe, mas a exploração da costa africana no sentido sul permitiu concluir que o continente era habitado por outros povos, falantes de diferentes línguas. A língua árabe deixou de ser eficaz como instrumento de comunicação e, por conseguinte, a comunicação deixou de ser linguística e passou a ser gestual, com as óbvias limitações que comportava, de significações indefinidas, sem dimensão de sujeito, tempo, espaço ou número. Foram então concebidas e implementadas estratégias que visavam preparar homens com um capital de conhecimentos linguísticos adequados aos objectivos dos descobridores. E ensaiaram-se as primeiras estratégias de imersão e aprendizagem linguística de portugueses e africanos, muitas vezes sob coacção. Assim se formaram os primeiros intérpretes, com o objectivo claramente definido de estabelecer pontes de contacto entre uns e outros. O primeiro capítulo desta dissertação tenta retomar a história das primeiras incursões oceânicas dos portugueses no Atlântico Sul e coligir os pequenos episódios de contactos estabelecidos com outros povos até à chegada à India e à formação dos primeiros intérpretes. Desejava-se a rápida recolha de informações de teor comercial e religioso, que foi logo alargada a outros campos de interesse. Era fundamental dispor de pessoas linguisticamente capazes de fornecerem informações e de operarem a mediação linguística entre aqueles que chegavam e aqueles que estavam. Do primeiro para o segundo capítulo deu-se um passo de gigante no espaço e no tempo, até Malaca, onde se estabeleceram os primeiros contactos com comerciantes chineses. O segundo capítulo tenta recuperar a memória da primeira embaixada portuguesa à China, através do trabalho de vários autores contemporâneos, alguns dos quais recorreram a anais chineses para reaver a memória do tempo e tropeçaram com uma personagem de outra estória. Houo-tcho Ya-san, nas fontes chinesas, é apontado como o intérprete principal da embaixada portuguesa a Pequim e um dos principais responsáveis pelo seu mau sucesso. A sua inclusão porém, terá tido origem na mutilação de documentos originais e na redacção posterior dos Ming Shi-lu (anais da dinastia Ming). O desfavor em que caíram os membros da embaixada conduziu-os ao cativeiro e ao desterro perpétuo. A consequência, a breve trecho, foi a clausura do porto da cidade de Cantão ao comércio externo. O interesse da Coroa portuguesa pela China esmoreceu, mas não o de mercadores privados, responsáveis pelo retomar de contactos com aquele reino. Na quinta década do século XVI, o encontro acidental com o Japão conduziu ao estabelecimento de novas linhas de comércio. Na senda dos mercadores seguiram os missionários, imbuídos de um espírito renascentista, mais aberto ao conhecimento e à harmonização com as novas sociedades. O terceiro capítulo da dissertação faz a história dos primeiros contactos estabelecidos com a China por intermédio de mercadores e missionários até ao estabelecimento definitivo dos portugueses em Macau. Coube a mercadores privados e também a missionários estabelecer os contactos iniciais com um império que rejeitava a intromissão de estrangeiros nos seus domínios e vivia fechado sobre si próprio. Os missionários, no seu afã de registarem as informações para os seus confrades vindouros e para uma Europa sequiosa de notícias, legaram-nos a memória dos contactos estabelecidos por meio de mediadores comunicativos e todos os problemas que se lhes depararam. Numa fase inicial, os missionários da Companhia de Jesus recorreram aos serviços de intérpretes, utilizados como mediadores comunicativos, e como informantes para a aprendizagem das línguas autóctones e para a construção de instrumentos de catequização. Utilizaram os serviços de uma plêiade de mediadores, adultos e crianças recrutados para a pregação pública e outros serviços, em função das necessidades e imperativos do momento. No entanto, a sua almejada entrada na China requeria uma prévia proficiência linguística, que obrigava à dispensa de intérpretes para a mediação comunicativa. O tema do quarto capítulo é o estabelecimento dos padres jesuítas em Macau e a sua penetração na China. Refere-se também a sua aprendizagem da língua chinesa com recurso a informantes nativos, a sua participação na elaboração de instrumentos de aprendizagem da língua e de apoio à tradução, numa cidade de confluência de gentes e de culturas. Macau, por seu turno, sempre forneceu o esteio imprescindível à Companhia, dela recebendo, em troca, os dividendos do seu investimento. A Companhia de Jesus retribuiu à Cidade do Nome de Deus o apoio recebido, através dos favores dos seus Padres bem colocados nas esferas de poder de Pequim. Para além disso, Macau e o seu orgão representativo, o Senado, por várias vezes solicitaram o conselho prudente e experiente dos padres jesuítas em matérias sínicas. O quinto e último capítulo da dissertação reflecte sobre o papel dos intérpretes numa cidade que tinha um órgão de poder que elegia portugueses como titulares dos principais cargos. Macau estava situada na fronteira de um império centralizado e reivindicava para si a jurisdição no seu espaço territorial. Sabia que vivia entre dois impérios que tinham concepções antagónicas sobre o sentido da metrópole macaense e a sua forma de estar e de sobreviver. Sabia que a sua sobrevivência era contingente e dependia da sua capacidade de adaptação às circunstâncias. Vivia o conflito permanente entre a necessidade de se distanciar do poder de Goa, longínqua capital do estado Português da India, e o imperativo que sentia de uma retaguarda imperial para chegar à Corte chinesa. Vivia a dualidade de reclamar e reafirmar uma origem e uma cultura, em simultâneo negadas. A cidade de Macau vivia com estas fragilidades e dispunha de um órgão, o Senado, ao qual competia a gestão das relações entre a metrópole e os poderes provinciais chineses. A ligação fazia-se, por parte da cidade luso-chinesa, através do Procurador e por intermédio de intérpretes. Na segunda década do século XVII, e para definir com precisão as atribuições profissionais dos mediadores comunicativos de que imperiosamente necessitava, Macau concebeu um regimento que definia o âmbito de poderes e a limitação de competências. A história que aqui se pretende contar é a de uma pequena epopeia de trocas e contactos entre portugueses e outros povos, que tiveram sempre, pelo meio, gente anónima. Embora a comunicação se processasse sob a égide destes anónimos mediadores, a sua presença é constantemente ocultada, apesar de estar manifesta muitas vezes nas entrelinhas dos textos. Por vezes, a sua presença é apenas pressentida através da discrepância havida entre o teor complexo de uma informação e a incapacidade de o escritor dominar códigos comunicativos e culturais que lhe fornecessem meios para obtenção da informação. Embora objecto de estudos parcelares e dispersos, que adiante vão referenciados, nunca a questão dos intérpretes em Macau foi devidamente tratada e enquadrada. E contudo, a cidade luso-chinesa do rio da Pérola, e a presença portugesa em Macau, não dispensariam a existência dessa anónima gente que ao longo dos tempos se ocupou da mediação linguística entre portugueses e chineses.
- Issue date
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2006.
- Author
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Campos, Paula Cristina F.
- Faculty
- Faculty of Arts and Humanities (former name: Faculty of Social Sciences and Humanities)
- Department
- Department of Portuguese
- Degree
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M.A.
- Subject
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Portuguese -- Macau -- 15th century
Portuguese -- Macau -- 16th century
Portuguese -- Macau -- 17th century
Portuguese -- China -- 15th century
Portuguese -- China -- 16th century
Portuguese -- China -- 17th century
Portugal -- Foreign relations -- China -- 15th century
Portugal -- Foreign relations -- China -- 16th century
Portugal -- Foreign relations -- China -- 17th century
Macau -- History
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- Location
- 1/F Zone C
- Library URL
- 991000157729706306