UM E-Theses Collection (澳門大學電子學位論文庫)
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Macau no tempo de Bento Pereira de Faria, 2a metade do sec. XVII
- English Abstract
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Introdução Macau na época de Bento Pereira de Faria é o mesmo que dizer Macau na 2a metade do séc.XVll. Apesar do tempo cronológico da figura histórica escolhida não coincidir rigorosamente com o período de tempo compreendido entre 1650 e 1700, de forma genérica o seu período de actividade situa-se dentro destas datas. Porquê Faria e não outro? Podia ter sido alvo de escolha Jerónimo de Abreu Lima, José de Eça ou Pero Vaz de Siqueira. Qualquer um deles, com toda a justiça, representaria o exemplo da elite macaense. Todos eles têm traços históricos comuns: foram cidadãos activos e empenhados na fase de decadência de Macau, fizeram parte dos oficiais eleitos pela comunidade para o Leal Senado e de uma forma ou outra notabilizaram-se na história da cidade. Contudo, a escolha recaiu sobre Bento Pereira de Faria, não só pelo desempenho meritório em defesa de uma cidade e da sua comunidade em situação de recessão económica gravíssima, mas também por se ter destacado pela forma como empreendeu essa defesa, que o fez destacar-se como personagem histórica. Faria foi um elemento da elite macaense, que, no entanto, nessa época foi constituída por outros Farias. Nunca esteve propriamente sózinho, pois foi apoiado, nos difíceis acontecimentos situados entre 1671 e 1678, pela elite que acreditou estar naquela pessoa a solução dos problemas que afligiam a sobrevivência da cidade. Essencialmente, esta figura serve de um bom exemplo da elite macaense, pois não devia deferir muito dos seus pares quanto à origem, forma de vida, dificuldades de sobrevivência, etc. São estes elementos que compõem, nesta localidade, uma pequena parcela da história do império português na sua fase de decadência. A única diferença existente entre Bento Pereira de Faria e os demais membros da comunidade é que o primeiro saltou para as páginas da história, em virtude do lugar que ocupava num determinado momento da vida em Macau. Se Faria foi o mote para o trabalho, a cidade foi o seu cenário de fundo. Para se entender esse cenário, o percurso tem ser feito por etapas. A primeira seria uma breve explicação da história da China nesse mesmo período, pois a história de Macau resulta muito condicionada ou até como consequência da sua localização em território chinês. As guerras intestinas pela consolidação da dinastia Ch'ing, a actividade dos piratas junto da costa que tanto prejudicava a nova dinastia reinante e, quando tudo parecia caminhar no sentido da consolidação do novo imperador, vai surgir novo foco de revolta, que ficou conhecido na história pela Revolta dos Três Feudatários. Macau não era imune a estes acontecimentos, ou porque era solicitada a enviar canhões e homens, ou porque se incluia nos decretos emanados pela corte imperial. A segunda, é a integração da cidade no contexto histórico-geográfico português, com todas as sua ligações político-sociais e económicas com esse vasto império que se estendeu desde Lisboa ao Extremo-Oriente. Macau, aparentemente, era um ponto desta rede de fortalezas, armadas e aparelho burocrático. Contudo, desde muito cedo se revelou ser muito mais do que isso. Estava situada num ponto estratégico para a missionação do Extremo-Oriente e para o domínio de circuitos mercantis paralelos, altamente lucrativos e, fundamentalmente, era um lugar onde corriam grandes fortunas. A terceira, é a cidade enquanto parceira numa geografia de negócios que se estendia pelo Sudeste Asiático, Mar da China e Oceano índico. Geografia estabelecida pelas rotas comerciais mais lucrativas ou simplesmente as possíveis face ao crescente poderio económico-naval de povos europeus, especialmente holandeses. Assim, através destas, eram comerciados uma variedade de produtos tais como sedas, porcelanas, especiarias, sândalo, ruibarbo, efc, muitas das quais seguiam depois em direcção à Índia e, posteriormente, a Portugal. Por todo o Sudeste da Ásia se encontravam focos de residentes portugueses que se dedicavam ao comércio, portugueses esses muito bem encaixados nas comunidades indígenas através de casamentos e de laços sanguíneos, ou através da conquista espiritual executada pelos missionários que se iam espalhando por esta vasta região. Justamente nesta última etapa, emerge a sobrevivência da cidade de Macau ou da comunidade lusa mais importante do Extremo-Oriente. A luta pelo dia a dia, a preponderância do clero, em especial da poderosa Companhia de Jesus, o estabelecimento das regras e leis que estabeleciam entre si, a aceitação das decisões do orgão de soberania local, o Leal Senado, bem como os conflitos existentes entre o capitão-geral e a edilidade, tudo isto faz parte da história de Macau na 2a metade do séc. XVII. Esta época histórica da cidade iria originar relações de sobrevivência entre a comunidade lusa, pois, confrontada com uma situação de perda de rotas comerciais, cercada por adversários mais poderosos, impedida de realizar o comércio, principal e única fonte de rendimentos da cidade, a comunidade vai ter de encontrar a sua forma de não perecer. Em contraste com a primeira metade do século, a segunda foi terrível. De uma localidade grande e abastada, o seu declínio vai ser tão intenso que, segundo a visão fornecida pelos documentos, Macau devia assemelhar-se mais a uma cidade fantasma com relíquias de um passado glorioso a viver um presente catastrófico. A sobrevivência da lusofonia, nesta época, deve-se exclusivamente à determinação, vontade de vencer e teimosia dos seus múltiplos Bentos Pereiras de Faria. É indispensável a análise do papel dos jesuítas em Macau e em Pequim, não só pela importância e influência havida dentro da cidade, como também pelos seus múltiplos interesses económicos, culturais, científicos e religiosos. A cidade transformava-se numa porta de entrada para a evangelização da China e do Sudeste Asiático. Depois do terrível desaire do Japão em 1640, consequência de uma teimosia persistente e cega em relação às consequências económico-religiosas para a cidade de Macau, os jesuítas partiram progressivamente à conquista espiritual da China. Detentores de uma disciplina militar e de uma cultura sólida, "estacionavam" na praça portuguesa, para em SPaulo aprenderem os primeiros rudimentos da língua e cultura chinesa, para a grande batalha que iriam travar a seguir. Assim, Macau servia-lhes de ponto de partida para um percurso mais longo e completo, sem, contudo, perderem de vista os seus próprios interesses dentro da cidade. Afinal, essa era a comunidade católica mais importante a leste de Goa e por conseguinte um baluarte para a cristianização do Extremo-Oriente. A importância que estes missionários iriam adquirir na corte de Pequim, junto do imperador foi tão significativa que, por mais do que uma vez, ajudaram Macau na sua luta pela sobrevivência. A influência dos jesuítas provinha dos seus conhecimentos de matemática e astronomia, que acabaram por lhes granjear prestígio e muita inveja, pois os astrónomos muçulmanos viram com muito pouco agrado a ascensão mais ou menos fulgurante dos missionários na corte, e sobretudo junto do imperador. A amizade demonstrada por K'ang-Hsi a estes missionários, especialmente Tomás Pereira, é no mínimo estranha, não só porque são pessoas de culturas muito diferente, mas também pelo respeito granjeado entre si, como foi demonstrado pelo imperador ao visitar a casa e igreja jesuíta em Pequim. A postura dos jesuítas junto do imperador não era meramente fortuita, porque a acção de evangelização no Oriente seguia o padrão da "cascata", ou seja, primeiro aproximavam-se das cúpulas dirigentes e eram essas as primeiras a serem convertidas, depois seguiam-se as pessoas dentro do círculo social da casa reinante, descendo até às classes mais pobres do país. Apesar de nunca terem conseguido converter o imperador, a aceitação dos missionários jesuítas na corte, através dos seus conhecimentos científicos, foi notável. Para além dos jesuítas outras ordens religiosas estiveram presentes em Macau nesta época. Contudo, a sua influência muito mais diminuta, comparativamente com os primeiros, passou de forma muito discreta no contexto histórico da 2a metade do século. Com zonas de influência sensivelmente determinadas no Sudeste Asiático, a sua esfera de acção não foi muito coincidente. A única ordem feminina em Macau, Santa Clara, teve uma acção tão discreta que as poucas referências às suas actividades aparecem ligadas às preocupações da elite macaense em deixar as suas filhas amparadas se estas não casassem e caso os pais falecessem. Por outras palavras, pretendiam a entrada destas para a referida ordem, esperança mais ou menos estabelecida em relação a uma sobrevivência com certa dignidade. As relações diplomáticas com a China e países em redor foi uma preocupação nesta época, pois este tipo de comunicação podia contribuir para uma melhor situação em Macau. Assim, vão ser levadas a cabo algumas visitas protocolares, com a finalidade de conseguir uma liberalização da política seguida pela China em relação a Macau. Qualquer uma delas muito pouco estudada pelos historiadores, mas a segunda levada a cabo por Bento Pereira de Faria assume particularidades muito curiosas, pois deve ter sido a missão diplomática menos preparada a nível de cúpulas dirigentes e a que , com o maior à vontade, se apresentou no corte imperial em nome do rei português. Esta forma de agir, utilizando os meios mais eficazes para atingir os fins, foi um apanágio da elite macaense. Esta, muitas vezes, teve de recuar nas suas pretensões, vivendo situações perfeitamente humilhantes, tendo de engolir afrontas e insultos. Assim, à margem das autoridades e poder do império português, aprendeu a sobreviver e a lutar da forma mais eficaz para atingir os fins pretendidos. Utilizar documentação mais ou menos forjada ou tomar decisões à revelia de Goa tornaram-se acções de somenos importância, pois a indiferença da índia era por demais significativa por uma cidade de que pouco se poderia esperar. Contrariamente ao que se poderia supor, foi esta a "embaixada" portuguesa que melhores resultados conseguiu, pois, para além de encantar o imperador com o presente levado (e único), conseguiu o alvo tão almejado pela comunidade portuguesa: a reabertura do comércio. Esta, já tantas vezes solicitada, já tantas vezes paga através de subornos aos mandarins de Cantão, trazia consigo algo de bem amargo: a descoberta que os portugueses já não eram os únicos e mais poderosos nos mares. Agora, Macau era pouco mais do que um reduto luso sem grande importância e sem capacidade de fazer sombra fosse a quem fosse. Restava à comunidade, a médio e longo prazo, uma sobrevivência precária, através de artimanhas e acções destinadas a garantir a continuação da presença portuguesa em Hsiang-Shan. Este trabalho pretende ser uma síntese sobre Macau na 2a metade do século XVII, nos seus múltiplos aspectos, numa perspectiva da micro-história, tomando como exemplo uma figura que age num contexto atravessado por inúmeros condicionalismos. As obras publicadas sobre Macau que abordam esta época dizem respeito apenas a um ou outro aspecto em particular, como por exemplo John E. Wills, com Embassies and Illusions, que analisa as embaixadas portuguesas e holandesas levadas a efeito entre 1666 e 1687, no reinado do imperador K'ang-Hsi. Outras obras secundárias abordam temas genéricos, como por exemplo C.R. Boxer, com O Império marítimo Português, onde genericamente todo o império é abordado, sendo o séc. XVII contemplado com meia dúzia de páginas. Nas fontes secundárias chinesas (traduzidas para língua inglesa ou portuguesa) acontece o mesmo, aparecendo o séc. XVII apenas contempladc com um ou outro aspecto, sem fornecerem uma visão de conjunto. Apenas a obra do Padre Manuel Teixeira, Macau no séc. XVII, abrange todo o século, mas numa descrição cronológica dos seus principais acontecimentos. Assim, era de todo o interesse analisar a 2 metade do século nos seus diversos aspectos e suas interligações, dado a carência de obra secundárias sobre a temática. Para colmatar essa falta, tornou-se imperativa a busca documentos, alguns dos quais nunca tratados, de forma a tornar mais clara a visão histórica sobn esta época. Contudo, estes revelaram-se em número de tal forma significativo, que levaram a um utilização restrita dos mesmos, para evitar perder-se a objectividade do trabalho em estudo.
- Issue date
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1998.
- Author
-
Monteiro, Anabela Nunes
- Faculty
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Faculty of Social Sciences and Humanities
- Department
-
Department of Portuguese
- Degree
-
M.A.
- Subject
-
Pereira, Bento, -- 1605-1681
Macau -- Foreign relations -- 17th century
China -- Foreign relations -- Portugal -- History
- Files In This Item
- Location
- 1/F Zone C
- Library URL
- 991000156169706306